sexta-feira, 17 de agosto de 2012

1° Relatório de Clarice.



A falta de pontuação, de acentos, é tudo proposital :) enjoy.


Relatório I



Já fazia dois dias, e eu ainda estava me sentindo com a pulga atrás da orelha: QUE MALDIÇÃO! – a vida seguia normalmente, e isso que me incomodava, o normal, já tinham ligado da portaria reclamando do barulho dos meus sapatos madrugadas a fio, andando em círculos, quadrados, hexágonos e em sabe-se lá o que. Minhas amigas não atendiam minhas ligações, pois elas não me suportavam falar sem ao menos respirar, em emendar um assunto em outro e não lhes dar sossegos de minhas lamentações. Birita então, já estava com vergonha de ir ao bar e subornava o filho da polaca do apartamento ao lado, sabe como é né? A Europa não ta nada boa para esses judeus, que gente infeliz e sofredora, mas talvez tenha um lado bom em viajar e mudar de país onde ninguém se importa se você adora o diabo ou a Jesus. Por falar em diabo, a Berenice minha vizinha veio me convidar esses dias e é aí que entra mais uma das minhas grandes histórias sem fôlego e vírgula, pois veio me convidar a ir em mais um julgamento. Seria dois dias, ela disse com aquela voz rouca que eu simplesmente acho não condizer com o tipo fisco dela, Berenice é corpulenta e cristã demais para uma voz tão suave, os comentários dela sobre os polacos não são nada suaves, chega até me assustar uma voz tão angelical proferir tanta maldade. Mas voltando, eu estou solteira há dois meses e comecei a ter uma vida sexual, digamos, inapropriada para uma moça com criação igual a minha, uma moça tão bem educada, educada pra procriar pirralhos e servir a mesa para um marido que jamais estará satifesito... Mas isso não convém, outra hora você aparece e eu lhe conto com detalhes minha trajetória desde a infância, daria uma bela história, saudades do meu passado, do cheiro da fazenda do Tio nono – Meu Deus – pois voltando, fiquei solteira, meu ultimo namorado, o Abelardo me trocou por um exemplar mais novo e que consome mais gasolina, é disso que os homens gostam gastar gasolina, eu prefiro gastar tostões. Eu andava desvairada desde então, me deitava com um e com outro, bebia como peixe e estava a me perder, mas um belo dia vendo uma velha fotografia resolvi cometer um crime, sim, um crime, eu iria transformar Abelardo em pasta, patê, algo sólido e mal cheiroso igual as suas atitudes e desde então essa idéia não saia da minha cabeça e me atormentava a todo o momento. Até que um dia na Avenida São João, sou bem sua devota, lá estava ele, saindo do teatro com a outra, resolvi arrancar meu carro atrás do casal, a fuligem dos carros nem me incomodava, pois eu conseguia sentir há alguns metros de distância o cheiro da felicidade que não mais era minha, esse cheiro me deixava cada vez mais fora de si. Eu não consegui parar de ingerir álcool, dirigindo loucamente na cidade eu não estava mais bêbada, eu estava além, eu estava verdadeira demais pro mundo e o via da maneira mais real possível, suas luzes falsas, seu ar pesado, os seres girando, tudo girava até pensei comigo, Colombo estava mesmo certo. Eu estava possessa e os esperei chegar na casa de Abelardo, não sei o que deu em mim e eu estava decidida eu iria matá-lo aquela noite. Então, quando o carro de Abelardo atravessa o portão e ele desce novamente do carro para fechá-lo eu arranquei meu carro com a boca cheia de Vodka e fui em sua direção tão rapidamente que ele não teve alternativa se não em aceitar as rodas do meu carro sobre aquele belo corpo – que desperdício, o que ele me obrigou a fazer – sua namorada saiu louca e desesperada do carro e começou a gritar pelo seu nome, eu muito calmamente desci do carro e ofereci uma golada, pois eu já havia pisado na sua cabeça com meu salto francês e havia sentido o cheiro da morte. Ela partiu para cima de mim, mas tive que acalmá-la com uma bocado de vodka em sua cabeça, servida em uma garrafa de vidro pesada a ponto de fazê-la desmaiar. Vodka na cabeça, talvez fosse até bom para piolhos, seria deselegante uma morta piolhenta. Quando vi os dois corpos estirados no chão, passou-me uma idéia, por que não viver fingindo ser ela? Mas para antes disso eu também teria que eliminar a versão original e viver fingindo ser alguém que eu deveria ter continuado sido. Fui levada pela sensatez do álcool e nem pensei em remediar minha situação. Parei, e pensei. Por que não criar uma mentira e acusá-la da morte, e depois de um suicídio. Mas que razões a teria para matar-lhe o homem amado. Pois foi quando fiquei com preguiça da meu lado psicopata e arrotando whisky escocês passei por cima dela também e com as rodas cheias de sangue voltei loucamente para minha casa. Não dormi, já não durmo há dois dias. Os jornais começaram a noticiar o bárbaro assassinato e vieram então atrás de mim, me perguntaram se eu sabia de algo, se os conhecia, disse tudo, até o que não devia, mas não disse a verdade: ele merecia morrer. Por justiça divina ninguém desconfiava de mim, mas é claro, rica como eu sou bem nascida como sou jamais pensariam uma atrocidade dessas vinda de mim, idiotas, mal sabem as atrocidades que aconteciam na minha casa todas as noites quando papai fechava as cortinas. Mas mesmo assim, surgiram alguns moços por intermédio da minha vizinha polaca e minha irmã, e me levaram a um hotel de descanso. Pensei em rezar pela minha alma, já que a deles dois estava mais do que perdidas, pessoas que traem às vezes valem menos do que as matam, pois elas nos matam em vida e quando não existe vida a alma torna-se plena. Quando não existe alma seguida de carne e sangue funcionando em perfeito estado foi o que eu quis dizer. Enfim, essa parte tornou-se um pouco confusa, confesso. Antes de terminar esse desabafo, apenas gostaria de dizer que estou me sentindo acolhida aqui onde estou me deram um quarto tão limpo, onde minha irmã mais nova disse que eu irei descansar, claro, eu preciso mesmo descansar depois de tudo que eu passei, achei a decoração bem simples, mamãe iria simpatizar muito com meu quarto. Não gostei muito de como escreveram meu nome na porta, mas em compensação as camareiras me trazem todos meus medicamentos, meus calmantes para os nervos, apenas, nas horas certas, durmo cedo E o melhor, trazem todas as tardes uma escrivã, dessas que escrevem tudo que falamos, e ela está escrevendo um livro de memórias. Por hoje chega, Mademoiselle Louise estou me sentindo indisposta, melhor chamar as camareiras para que me dêem mais um daqueles remedinhos.



Hospital de Doenças Mentais do Estado de São Paulo.
Escrivã Judiciária: Clotilde da Paixão de Souza Campos
Paciente: Clarice de Alcântara Bonsucesso Malta dos Reis
Diagnóstico: Esquizofrenia Crônica


 
São Paulo, Brasil, 22 de Abril de 1943.


quinta-feira, 26 de julho de 2012

Carta nº XVI aos meus fãs, por Madame Bleue.


É o meu coração outra vez. Mas não, não estou falando de amor, nem compaixão nem adoração ou tristeza. 

Meu coração que já sabe, já sabe de mim, sabe como sou maliciosa quando ele tenta me pregar uma peça, fazendo com que bata mais forte ao me deparar com aquele alguém. Ele agora me engana, simulando meu fim – quão mórbido, pode parecer eu falando assim – mas agora, ele se tornou um aliado a minha mente doentia e me destrói a cada dia que passa. Meu maior medo hoje em dia é sentir o medo, pronunciar essa palavra está cada vez mais difícil: deixou de ser um som, se tornou; medo.

Já me mudei do oitavo andar, agora eu moro no térreo. Já vendi todos meus revolveres, graças a Deus nunca tive problemas com facas. Faca foi algo que eu nunca gostei muito, talvez fosse porque ele gostasse tanto desse instrumento que me perfurava todos os dias – Estou muito ordinária - ele me cortava com palavras: mas parecia faca.

Não sei mais o que dizer de mim.  Não sei se aceito a loucura ou se saio para um banho de sol. Este inferno de vida. Por que me fez tão questionadora. Preferia ser, apenas mais uma vendedora de flores noturna, alguém que rezasse o terço e esperasse em Deus: um consolo. Consolo pra mim é desconto na farmácia. É beber e não acordar de ressaca.

Se eu pudesse dar um conselho aos mais jovens, eu hoje diria: Levem a vida, como a veem através do reflexo do espelho. Ela é apenas o que se vê, ela é apenas o que queremos ver, ela é apenas aquilo que o tamanho do espelho nos permite ver. Mas não procurem querer penetrar demais no sentido real da vida, experiências assim podem deixar sequelas para todo o sempre. E o sempre, quando ruim: é ruim.

Desculpem, não ter escrito mais de amor. Prefiro falar de vida e razão, pelo menos por esses dias, cansei. Cansei de tudo e de todos, cansei até de mim, mas infelizmente não tenho controle o suficiente sobre o que sou para por fim a minha vida. O fim, ele ainda me arrepia.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Constatação de Bleue, por Thiago Almeida.


Mandei buscar uma estatua de Buda, uma espécie de divindade oriental. Mas aqui, imersa no peito da pátria amada do Ocidente,  divindade, em meia a tanta loucura nas ruas, tem outro nome, vem em cápsulas e se conhece por lítio. Bebo com água, outrora, quando estou desmasiadamente descontrolada  com vodca.

No prédio ao lado do meu, pastores cristãos falam algo sobre a verdade, sobre uma palavra que pode lhe salvar e conduzir aos céus, mas dentro do meu apartamento a única que palavra que conduz aos céus, são proferidas em cima da minha cama.

Dentro do hospital que por ora visito, existe um recinto que conhecemos por farmácia, lá se encontram a cura de todos os males. Todos os males só serão curados, quando não houver mais existência humana . Existem ciências hoje que já se aproximam da alma, porém encontrar alma em seres como nós, tem se tornado cada dia mais difícil.

Por ora canso de ensaiar de viver, e procuro alguma cena em que possa praticar um pouco de vida, mas não tenho encontrado atores a minha altura que também estejam cansados de mera encenações de vida comum.

Queria, mas querer me limita, tanta gente quer, tanta querência nesse mundo para que? Se o querer é quem destrói. Hoje me dói saber que só existira caminho para o futuro, através do fim do passado, só haverá o progresso, quando houver a morte do natural.

O corpo humano, é um templo. Mas na história descobrimos que os templos são facilmente destruídos, principalmente nós, seres racionais, que nascemos carregando todo mal e todo bem. Nascemos dotados de um fim, que não há como fugir.

Viver os instantes de felicidade que a vida me empresta, é o que devia fazer a partir de hoje. Contemplar meus sonhos, enquanto nesse presente, ainde posso realiza-los. O medo que sinto do que virá, as vezes me perturba tanto. Mas o que virá?

Encerro esse desabafo com muito amor, e ternura, espero que sempre possam encontrar algo bom. que possa refletir-me, em minhas palavras.


Obrigada,

Madame Bleue.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Breve relato sobre a loucura, por Thiago Almeida.


A linha da sanidade: eu vi.e a ultrapassei. Quando me olhei me achando um pouco narciso, ao me pentear defronte ao espelho, vi que fora do normal, nem tudo é o que se sente. Nem mesmo uma dor pungente no coração representa a morte. O que causa a morte aqui, na loucura é a cabeça, dos outros.

A loucura que eu vi, trouxe um mundo cinza, e por mais que eu esfregasse os olhos vendo tudo, eu só cinzas via. A cena de amor mais mórbida que presenciei, e mais sã de todos os momentos que vivi, nesse cinza momento irreal: fora de um casal separado por uma agulha enfiada na veia – Ela estava dopada,  ela estava sem nada e Eu (nesse momento Eu e não eu) estava louco, e me sentia mais louco por ver amor no fim, e por ter certeza que nem mesmo Este pode os salvar.


No insano, os caminhos parecem perigosos. O mundo se mostra e você com os olhos cinzentos, enxerga a perversão da vida e se choca tanto ao saber que sua carne e sangue nada são, que nem sempre é possível encontrar o caminho de volta, que nem sempre o sempre será. Os medos não são abstrações, eles se materializam e te tocam, te partem, te possuem. 

As dúvidas não existem, o inferno também não, pois padecer no insano é descobrir a mentira de um lugar onde Cristo jamais penetrou. A loucura te imobiliza e te incendeia, não é fácil a experiência de ser, ser mais que um ser vivo, ser um Ser sem definição alguma que palavra lhe deixe fazer.

Eu fui, e estou voltando... quero voltar para o mundo de ilusões, o mundo real me deixou perplexo, sinto uma dor muito forte cada vez que minha mente ousa cruzar estes caminhos.

Vou tentar seguir minha vida como sempre havia sido, sem querer saber demais do espírito ou entrar no ego, saltar da vida e mergulhar na alma, não quero encontrar-me com Deus ou saber da verdade. A partir de hoje vou me manter como sempre fui, alheio a verdade alguma.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Versos de Adeus.


Vou ter que te esquecer, acabou. Aquele sábado selou o que restava da gente, cansei de tecer ilusões com o que resta dos nossos retalhos.

Cansei de o meu sentimento passar por ti de maneira tão imperceptível que você nem por si só, me enxerga.

Cansei de amar sozinho, cansei de ser seu, sozinho.

Que Deus, ou pelo menos o meu amor próprio ajude-me a esquecer seu telefone, teu nome, tua voz, teu carinho.

A dor já é algo tão incrustado em mim, que meu corpo nem lágrimas produz. Sou nada, e demorei pra entender.

Você é tudo, e nunca irá entender.

 Dói tanto, pensar que não vou mais rever, dói tanto porque sei que pra você não me ver, nada dói.

Não quero te ver nem em um dia de sorte.

 E eu espero ter a sorte de não mais de ve-lo andar em meus caminhos, cruzando as esquinas que eu sempre cruzei sozinho.






Madame Bleue.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Esquecer, e lembrar de mim. por Thiago Almeida.




Cheguei cansada de tanta labuta e também, mais ainda, de um sentimento inerte - olhei no espelho e tentei entender o que não tem mais cara: não vi mais nada; só talvez o tempo passando bem em minha testa.
Nem quando olhei dentro dos meus olhos, e olhei fundo não mais reconheci meu coração, tentei examiná-lo, mas ele estava lá no fundo e escuro, como se estivesse trancado em um porão.
Sentei e lembrei, fui a fundo a cada lembrança, passei pela primeira de te ver, na segunda de te amar e nas milhares em que ainda tento te esquecer, e confesso ainda estou arrasada pela ultima - lembrei de tantos detalhes que pude ouvir minha voz rouca, murmurando algo que nem mesmo eu pude entender, meus olhos fugindo, carregados de insegurança desde sempre, e muito suor em meu corpo; mas percebi que em ti - tudo mudou.
Tomei um gole de cerveja e não desceu bem, tinha algo engasgado em minha garganta: senti cada gota arranhando as minhas cordas vocais calejadas de gritarem seu nome. Então fumei e em cada tragada a fumaça me fazia mal, tudo ruía dentro de mim. Senti-me como um azulejo velho que aos poucos apodrece e se desprega da parede.

 As minhas idéias ficaram tão loucas que percebi que tanto amor é nada, que jamais será nada, que tudo foi nada e de nada meu coração está farto.
Amanhã, vou procurar outro afago sem ser mesa de bar. Talvez eu crie forças pra esquecer, antes que seja tarde demais e eu continue a só esquecer de mim  -  Antes que seja tarde demais para olhar pra trás e não me ver estirada em baixo de um viaduto qualquer,  antes que seja tarde demais para lhe ver passando com seu carro pelo resto das tripas e vísceras que restarão de mim.


Madame Bleue.