Uma casa sem espelho, desses que
refletem tudo, refletem as rugas, as placas causadas pela nicotina em seus
dentes, os olhos marejados, o cabelo bagunçado e o estrago que o álcool tem lhe
causado. Limpa a poeira e te olha, observa teu rostinho sorrindo, observa tuas
mãozinhas ressecadas, engole o choro, passa batom, te ajeita e perfuma.
Quando esse espelho quebra, o que resta?
Parece que a solidão aumenta, não poder olhar pra ti mesma e sentir-se presente,
o rito de limpar as manchas causadas pelos folículos de impureza não mais
existe, tuas mãos segurando teu fumo buscam o paninho branco pra tirar a
sujeira. Mas ele quebrou-se, até teu rito secreto de olhar-se em meio aos
estilhaços finda. O lixeiro levou teus grandes pedaços. Ainda bem que já está
curada daquele vicio de lhe causar cortes a si mesma, nem mesmo aquela lamina pontiaguda lhe
causa desconforto.
Ainda bem que lhe restou tua
vitrola e a colchinha de chinil, aquela vermelha com alguns buracos causados
pelos cigarros, tu esquenta teus pezinhos gordinhos debaixo dela e escuta tuas
canções. Quando a garrafa de café seca, logo prepara um fresquinho. Quando
alguma visita chega torce silenciosamente que ela dali lhe arranque e te leve
para o bar, e daí então fecha teus olhos quando sente o gosto do licor tocando sua língua áspera
e grossa por conta da fumaça: estás extasiada.
Embriaga-se minha florzinha,
embriaga-se. Ri, fala tanto de suas verdades mas mantêm seus segredos ocultos,
olha pra calçada e pensa aliviada que não terás teu companheiro espelho pra lhe
vigiar quando chegares em casa alterada e tentando dormir, e quando levantar-se na
calada da noite e montar feito um quebra cabeça aquele retrato que ela mesmo rasgasse. Mas mesmo assim,
mesmo cansada pensa que no dia que virá a tua primeira compra será teu velho
amigo espelho. Fica envaidecida diante de seu reflexo também, sua lua em leão
deixa-lhe às vezes fogosa e tem desejos próprios dessa combinação astral.
Fala coisa com coisa, sonha em
ser atriz, cantora, estrela do rádio e do cinema, veste todas suas roupas e
quando fala de ti, ela não poupa palavras. Às vezes olha desconfiada por de
trás de seus ombros, pelo o reflexo o altar de santos que há tanto ela permanece
devotada. Fica sem ordem, fica nua, se perfuma com elixir de flores, sente-se às
vezes flutuando sob as nuvens outrora passeia próxima do fim. Minha pedrinha preciosa busca mesmo seus refúgios
é sozinha, calada, olhando-se.
Nenhum comentário:
Postar um comentário