sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Donas de Casa, Donas de Si, por Thiago Almeida.


Nunca gostei de jogos, fui uma criança adversa, sempre preferi ler a cantarolar aquelas cantigas infantis, me sentia frustrada com tanta coisa real, casinha, boneca, sempre fui abstrata.
Adorava os romances que minha irmã mais velha comprava, os devorava, sem saber direito o que estava lendo.
Até que quando eu já mocinha, mocinha feita como dizem por aqui, encontrei um rapaz que já era rapaz feito também, faculdade, emprego, pais judeus, que adorava jogos, jogos de amor, jogos de dizer a mim coisas delicadas - és delicada como uma flor! -, “incrível como os homens são facilmente enganados”, - nunca subestime o poder de um vestidinho florido e de uma mãe católica fervorosa.
Coitado! sempre me trazia flores, doces, chocolates, eu odiava isso tudo, mas mamãe achava importante ser cortês com o moço, - o mesmo moço que saia de minha casa, cruzava na esquina e flertava com uma outra qualquer garota, várias outras, e as levava ao cinema e para sua cama, ou se a mãe estivesse acordada para um motel destes qualquer -, soube disto por meio de Deodora, uma amiga minha de escola, ele era um conquistador, sempre soube que todos esses presentes eram charme, os garotos daqui assistem muitos filmes de Hollywood, e esquecem que as mulheres de verdade, nem sempre sonham com cama, mesa, banho e diabetes.
Eu embora nunca gostasse de jogos, aprendi a jogar, encarnei minha personagem muito bem, e lhe dei corda, embora ele me desmerecesse, eu sabia, era a mim que ele iria querer no fim.
Cinema com garotas bem vestidas, com penteados complicados e cheirando a lavanda:  comigo era missa no domingo, almoço, pai nosso, e um charuto com papai - sempre me trazia mimos como disse ali em cima,
acarinhava-me, dizia a mim - tu és meu bem - que bem, que meu?
Um dia de domingo não fui à missa, eu estava ocupada demais, mandei dizer, mamãe me repreendeu, não quis vê no almoço, não quis vê durante vários domingos de missas, não mandava-lhe bilhetes, e ele se apaixonaria - desprezo para algumas pessoas funciona mais do que amor, eis a maior verdade humana, pense bem e verá que estou a lhe falar coisa séria por demais.
E um dia sem grande novidades, Deodora, voltando da venda de Dona Zica, veio dizer que o rapaz perguntara de mim - não sabia que ele sabia que eu sabia teu nome, fiquei besta sabia - sim, sabia.
Homens detestam que nós, mulheres de vestido florido, com religião, com família de respeito os ignore, as outras na rua sempre estão disponíveis, então para eles, elas não fazem sentido, ou só fazem isso: sentido, sentir-lhes bem, sentir prazer, sentir os seus perfumes deploráveis, senti-las sobre lençóis – Jesus, e eu que não uso colônia.
Disse a Deodora, que aquele rapaz iria amar-me, vi excitação nos olhos de minha querida amiga, ela também via muitos filmes de romance americanos, muito lhe interessava esta sina da vida: american’s dream way of life – estava toda quinta no Cinema Caso - ia sempre acompanhada de sua avó, dona. Generosa. Ela perguntou-me como? – respondi: - Simples Deodora, serei eu mesma, os homens acham que nós mulheres não temos inteligência só temos sentimentos e bucho para carregar seus filhos machos, mas sou diferente minha amiga, sei bem do que precisa este rapaz, ainda casarei com ele, verás!
Deodora não me entendeu, ela não entendia muito de ser mulher, eu sim, sempre soube o que eu queria, e embora eu não quisesse, eu acabei querendo este rapaz, eu precisava de um lar, e meus pais estavam ficando doentes - detesto a idéia da velhice.
Dias passavam, febres se inventavam, e muitas indisposições - ô, mas este rapaz pensa que sabe muito e nada sabe, nós mulheres não somos frágeis como flocos de neve nem como seda egípcia, somos fortes e capazes tanto quanto eles pensam que são, pobrezinhos. Uma tia minha, irmã de pai que mamãe lhe chamava de desbocada: era atriz esta tia minha e disse uma vez que em uma discussão, seu marido, o Tio Berto ameaçou-lhe partir a cara por ela não ter feito sua lingüiça no jantar, e assim dizendo ela disse que ergueu-se, deu uma tragada em seu cigarro mentolado e disse a ele - Pois venha seu trambolho gordo, saiba que o que balança embaixo em você, balança em mim em cima!
Eu sempre quis entender essa frase, achei tão impactante, amava esta tia minha.
Até que um dia cumprindo meu dever de namorico, assisti um treino de futebol deste nobre rapaz, e via que em sua calça algo balançava, e que no blusão xadrez de Geovana – o único que ela não havia se deitado do time fora o Peter, o mascote, um labrador, um cachorro “risos” -  ela corria atrás das bolas arremessadas para fora do campo, notei que também havia aquele mesmo balanço em diferentes proporções debaixo de seu blusão xadrez.
Entendi, homens jogam as bolas para fora e as mulheres a buscam de volta, garotos tinham pinto, de onde saia urina e nós mulheres tínhamos seios do qual jorravam vida eterna.
Que desleal, não é mesmo? E mesmo assim, eles diziam criar tudo, se metem a inventar coisas novas a cada dia... mas não vou perder o foco desta prosa não quero cansar ninguém com minhas teorias.
Mamãe abordou-me ontem à noite e disse-me – ele virá pedir sua mão a teu pai hoje – estejas aprumada menina.
Por que eu não podia ser eu mesma? E por que pedir a meu pai algo que supostamente é meu, mas esqueci os pais não entendem que os filhos não são propriedade privada – saímos de nossos pais, não somos dele, somos da vida, somos um acaso, uma partícula no universo, falamos, criamos e pensamos de atrevimento, o Deus não nos criou para isso, criou-nos para que vivêssemos em um jardim comendo frutas como parasitas e fazendo outras criaturas que fossem sua imagem e semelhança: Penso às vezes que Deus é preguiçoso, podia fazer que nos brotássemos como brotam as flores – pois bem.
Me deu um anel, depois de uma longa conversa com papai e mamãe, nunca ganhei algo tão brilhante assim, me senti comovida por um instante, mas pedi licença a todos na sala e o chamei na cozinha e disse-lhe assim:
“Olhe bem aqui senhorzinho, saiba que me aceito casar contigo, acho que já gosto de você, mas saiba, não vaciles comigo, não sou igual às garotas da rua de trás que você galanteia, as leva a um cinema e depois para uma volta nesta maquinalha azul que chama de ultimo modelo, sou moça séria, quero um compromisso sério, não pense em me trair, pois cada segundo deste pensamento pode custar-lhe caro demais.
Ele ficou perplexo e disse que me amava que estas noitadas ficaram no passado. Eu fiquei perplexa também, pois me vi acreditando em suas palavras, pareciam sinceras - mas depois entendi que sinceridade é utopia, vocês vão entender-me jaja...
Os dias passaram, e eu já estava casada, com um rebento no ventre.
Deodora veio até em minha casa e mostrou um bilhete de meu marido a uma sirigaita chamada Lúcia, famada na cidade, ela mesmo quem deu o bilhete a Deodora e disse que me entregasse, pois não suportava mais o o senhor meu marido em seu pé, ou deixando bilhetes indecorosos debaixo de sua porta. Assim que essas moças falam, na verdade, tudo que tocam é destruição, destroem um casamento, destroem um sentimento, destroem principalmente as esposas, mas ninguém irá destruir, foi muito difícil encaixar cada peça minha em volta de ser mim, sou eu.
Por um instante quis chorar, dispensei Deodora, fui até cozinha e achei uma tesoura, queria cortar-lhe o pinto, mas ainda assim, teria boca e dedos, para fazer outras coisas a mais. Parei, pensei, e lembrei dos livros.
De noite o ambiente estava perfeito, janta pronta, marido com fome, falando do trabalho – por que os homens não são sinceros, e falam do que realmente fazem o dia todo? Imaginando sirigaitas tipo esta Lúcia em seus braços, ou melhor... não convém né?
Servi sua comida, fiz meu papel, entediante, mas às vezes pensava ser gratificante... chamei até o quarto, tranquei as portas e lhe servi uma bebida, esta bebida era especial disse eu, era um drink novo que havia aprendido em uma revista para mulheres casadas com maridos perfeitos.

E de fato era um drink perfeito, mas na verdade li sobre em um livro para mulheres frustradas com homens de verdade, a personagem colocava arsênico dentro do conhaque do marido, e lhe envenenava, e  assim pareceria que o  defunto desposado podia ter morrido de infarto. Que emoção, pela primeira vez em sete meses de casada eu iria compartilhar algo inteligente com meu amado marido.
Meu esposo bebeu um gole, e eu ainda beijei seus lábios, quis sentir o gostinho da morte – amargou como fel, mas amargou menos do que o bolo do casamento - e quando ele se deitou e começou a ficar vermelho e sentir falta de ar eu disse, a ele: lembras daquela nossa conversa? Sobre eu ser moça séria, não estava brincando.
Ele gritou algo, talvez disse algo como “socorro”, “você está louca”!
Mas meu caro leitor, quem disse que não era louca? Ele nunca havia me perguntando, não tenho culpa se em sua cabeça eu seria mais uma dessas esposas gordinhas que costuram a própria roupa, vão à missa e cozinham frango assado toda sexta.
Eu disse, eu era adversa, era pensante, e descrente em tudo, casei-me apenas por casar-me, mas escolhi mata-lo porque não tolero traição, não tolero viver frustrada, agüentando um bêbado fazendo filho em mim uma vez ao ano.

“Me despedi, disse a ele que não suportava traição, pensei em perguntar da história da Lúcia, mas tarde demais, ele já havia dado o ultimo suspiro.”

Um comentário:

  1. “Me despedi, disse a ele que não suportava traição, pensei em perguntar da história da Lúcia, mas tarde demais, ele já havia dado o ultimo suspiro.”

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